terça-feira, 25 de dezembro de 2007

A QUESTÃO PORTISTA


Com a chegada da altura natalícia e respectiva paragem nas competições futebolísticas, para os clubes é tempo de balanço, de olhar para trás, analisar o que foi feito e tirar as devidas ilações com vista ao futuro, no sentido de atacar 2008 de forma consistente e frutífera.

O FC Porto chega a esta fase, como vem sendo hábito, na melhor condição dos três grandes emblemas do futebol português. Não obstante a perda da Supertaça e a eliminação da Taça da Liga, lidera a liga doméstica de forma folgada, dispondo de 7 pontos de vantagem sobre o Benfica e 9 sobre o Sporting. Conseguiu ainda o apuramento para os oitavos-de-final da Liga dos Campeões (classificando-se em primeiro lugar do grupo), onde irá defrontar os alemães do Schalke 04, tendo portanto boas hipóteses de passagem aos 'quartos'.

A recente derrota, na Choupana, frente ao Nacional, veio, porém, esfriar um pouco os ânimos no Dragão e dar algum alento aos directos rivais. Bem vivo na memória encontra-se ainda o descalabro portista pós-Natal da temporada passada, em que a considerável vantagem pontual foi dizimada progressivamente e obrigou os 'dragões' a festejarem o título com o credo na boca. Após a quebra de invencibilidade em terras madeirenses, Jesualdo Ferreira voltou a receber algumas críticas de diversos quadrantes da massa azul e branca - como é regra a cada derrota - e a qualidade da totalidade do plantel foi posta em causa. Para muitos, resulta claro que a diferença entre o onze titular e o restante elenco é substancial, factor que poderá gerar alguns dissabores quando o calendário começar a apertar e o cansaço a acumular-se nos elementos nucleares da equipa.

A minha opinião é que o trabalho de Jesualdo Ferreira não poderá, por enquanto, ser colocado em cheque. Os resultados são o dado mais relevante no futebol de alta competição e esses falam pelo próprio. No entanto, não deixo de reconhecer que me intriga a sistemática utilização dos mesmos jogadores, algo que penso não ser benéfico para a equipa, quer em termos de gestão de esforço, quer a nível da motivação colectiva. E aqui há dois cenários possíveis que importa estudar: ou Jesualdo erra ao não proceder a uma maior rotatividade do plantel, ou o próprio plantel não é suficientemente credível para que tal possa ser feito. Das duas uma.

E aqui é que está o cerne da questão. O técnico portista faz aquilo que eu faria. Dos reforços contratados, pese embora a qualidade visível em alguns como Stepanov (apesar dos erros cometidos) ou Bolatti, nenhum mostrou ainda credenciais para poder jogar num clube com tamanha exigência. Seria rentável para o FC Porto que o plantel fosse melhor aproveitado, mas a verdade é que jogadores como Lino, Leandro Lima, Mariano González ou Farías, sempre que actuaram, desiludiram em toda a linha e não se mostraram alternativas válidas (pelo menos, até ao momento). Como também salta à vista que unidades como Cech, João Paulo ou Postiga (para grande tristeza minha, pois admiro o talento do internacional português) não estão à altura dos seus concorrentes pela posição. Daqui resulta que Jesualdo, em nome dos superiores interesses da equipa, praticamente é obrigado a repetir o onze jogo após jogo, sob pena de acontecerem surpresas como em Fátima. Aliás, à derrota com o Nacional não serão totalmente alheias as ausências simultâneas dos dois extremos titulares, Quaresma e Tarik.

Em face destas circunstâncias, julgo ser recomendável, no mínimo, a contratação de 2/3 reforços já na reabertura do mercado, em Janeiro, no sentido de dotar a equipa de maior equilíbrio e homegeneidade no seio do seu plantel. Até porque jogar em três frentes (1ª Liga, Taça e Champions) com resultados satisfatórios implica a existência de profundidade de banco, sendo que satisfatório nunca será menos que ganhar as duas provas internas e chegar, na pior das hipóteses, aos quartos-de-final da liga milionária. Se a SAD portista estiver para aí virada, julgo que as prioridades deveriam ser um médio transportador para concorrer com Raúl Meireles, um médio-ofensivo para colmatar a imaturidade de Leandro Lima e um extremo, salvaguardando a perda de Tarik durante o mês da CAN'2008. Por outro lado, também reconheço que Jesualdo Ferreira deverá apostar mais em Adriano e Kazmierczak, por exemplo, e dar igualmente mais oportunidades ao argentino Farías, pois não é possível que um avançado de 4 milhões de euros valha tão pouco como aquilo que mostrou nas poucas vezes que jogou.

Estamos perante um daqueles casos típicos em que o treinador faz a omoleta com os ovos que tem. Com um onze forte, superior ao de todos os outros clubes nacionais, colocou a equipa na liderança folgada e qualificou-a para a fase decisiva da Champions. Muitos dirão que não fez mais que a sua obrigação e, em certa medida, até estou de acordo, não lhe retirando com isto o devido mérito. Agora, para a segunda metade da temporada, incomparavelmente mais exigente e desgastante, se o objectivo é exigir vitórias atrás de vitórias, convém que a equipa seja melhorada em lugares específicos, para que a tal gestão possa ser efectuada sem melindrar a produção colectiva. Ou então, que os que chegaram no defeso mostrem uma cara que até agora nos é completamente desconhecida. Não entro na generalidade das críticas que, a cada resultado menos conseguido, responsabilizam Jesualdo Ferreira, falando recorrentemente em pouco rasgo no banco, opções erradas, fraco espírito de liderança e insuficiente capacidade motivacional. Evitar a queda da época transacta não depende apenas dele, mas de todos dentro do clube, a começar pelo cimo da pirâmide...

terça-feira, 18 de dezembro de 2007

PASSES CURTOS (1)


1. Depois de arrebatar a Bola de Ouro da France Football (deixando Cristiano Ronaldo em 2º e Messi em 3º), Kaká venceu também, como era esperado, o FIFA World Player 2007, com a particularidade de, desta vez, Messi ter ficado à frente de Ronaldo. Na minha opinião, o extremo do Manchester United foi o melhor do ano e, como tal, estes prémios para Kaká foram injustos. No entanto, pelos títulos alcançados e pelas exibições na Champions, aceito o brasileiro como vencedor. O segundo lugar de Messi é que é perfeitamente vergonhoso! Nada de anormal neste tipo de prémios, onde nem sempre as classificações reflectem o desempenho ao longo do ano.

2. A minha escolha para o melhor onze europeu do ano, em votação no sítio da UEFA, foi a seguinte: Cech; Daniel Alves, Ricardo Carvalho, Nesta, Abidal; Cristiano Ronaldo, Pirlo, Kaká, Quaresma; Drogba, Ibrahimovic. Treinador: Sir Alex Ferguson. E você, já votou? Em que onze?

3. O FC Porto segue agora com 10 pontos de avanço sobre o segundo classificado na 1ª Liga, depois de bater o Guimarães por 2 - 0 e da derrota (1 - 0) do Benfica no Restelo. Isto apesar de haver sempre alguns 'inteligentes' que acham que os portistas praticam pouco futebol. Estou ansioso por ver como será quando o FC Porto começar a jogar qualquer coisinha. É que sem jogar nada, até já está nos 'oitavos' da Champions. Há aqui alguma coisa que me anda a escapar.

4. "Quem é o Villarreal para vir contratar a estrela do FC Porto?", assim mesmo comentou Pinto da Costa o possível interesse daquele emblema espanhol em Lucho González. Eu não diria melhor. Sempre me fez bastante confusão ver clubes medianos virem adquirir as vedetas de FC Porto, Benfica ou Sporting. O dinheiro não é tudo e Lucho não é burro nenhum, como aliás fica comprovado em cada jogo que faz.

5. Vem aí o mercado de Janeiro. A meu ver, o Sporting precisa urgentemente de um avançado a sério para fazer companhia a Liedson, desamparado desde a lesão de Derlei. Um lateral-esquerdo também não era mal pensado. No Benfica, parece-me que a maior lacuna do plantel é o lado direito, defensivo e ofensivo. Já agora, se Camacho atinasse também não se perdia nada lá para os lados da Luz. Já para não falar de um presidente novo... O FC Porto passeia na liga doméstica, mas pensando na Champions, talvez a contratação de 2/3 reforços fosse uma boa medida, até porque encontro três posições no plantel portista susceptíveis de serem melhoradas: médio (na linha de Raúl Meireles), médio-ofensivo (Leandro Lima tarda em se afirmar) e extremo (salvaguardando assim a ida de Tarik à CAN'2008). Aguardemos.

6. O Guimarães continua a sua época magnífica, depois de na temporada passada ter feito a sua 'via sacra' na Liga de Honra. Segue num excelente quarto lugar, a um ponto do Sporting e a três do Benfica. Esta é mais uma razão para eu achar a carreira de Manuel Cajuda, até agora, demasiado modesta para a capacidade que sempre demonstra nos clubes por onde passa. Anda a pedir um grande. E aí, as dúvidas ficariam dissipadas.

7. Lá fora, em Inglaterra, o Arsenal derrotou o Chelsea e continua na frente. Os 'gunners' estão a exceder as expectativas e a realizar uma fantástica época. Fabregas, Adebayor e Van Persie, entre outros, estão aí para durar. O Manchester United segue na peugada, a apenas um ponto de distância, ao passo que o Chelsea está um pouco mais atrás. Acho que, mais tarde ou mais cedo, os 'red devils' vão demonstrar a sua superioridade e sagrar-se-ão campeões novamente.

8. Em Espanha, Real Madrid e Barcelona, como previra no começo da liga vizinha, parecem ser os únicos com capacidade para chegar ao título. Os 'merengues' possuem quatro pontos de vantagem sobre os catalães, não obstante alguma tremideira inicial. Apesar do quinteto magnífico, o Barcelona continua a trilhar um caminho de incerteza. Ronaldinho mantém-se uma autêntica sombra daquele jogador que nos encantou e até para o banco já foi. Henry não é o mesmo do Arsenal. Eto'o e Deco estiveram bastante tempo lesionados e só agora regressaram. O problema é que agora o azar bateu à porta de Messi... Mas a luta pelo ceptro promete ser dura até ao final, entre dois autênticos gigantes do futebol mundial. E vem aí um Barça-Madrid...

9. Em Itália, o Inter de Figo, Ibrahimovic e companhia, caminha para a revalidação do título transalpino. Roma e Juventus dão mostras de que muito dificilmente vão ter pedalada para a constelação interista. Muito menos o Milan, onde Kaká só joga alguma coisa de jeito nas provas internacionais. E Tiago lá continua a penar no banco da Juventus, ele que faria as delícias de qualquer meio-campo em Portugal.

10. Finalmente, a Inglaterra lá encontrou o seu novo seleccionador. Depois do 'não' recebido de José Mourinho, a primeira opção dos responsáveis federativos ingleses desde a primeira hora, o escolhido foi o italiano Fábio Capello. O 'Special One' português manteve o seu princípio de ser contrário à nomeação de seleccionadores estrangeiros por um qualquer país. Ele é o único treinador do mundo capaz de, não estando no activo, recusar um convite milionário e irresistível da Selecção Inglesa. É por estas e por outras que lhe chamam especial...


[Por vezes, apetece-me falar de vários temas ao mesmo tempo, mas de forma sucinta, sem me alongar demasiado, que o tempo e a vontade nem sempre abundam. Deste modo, hoje aderi à moda blogosférica (esta palavra existe?!) dos textos curtos e directos. Não primando pela originalidade, se é uma boa moda, há que seguí-la. Inauguro aqui a rubrica 'Passes Curtos'.]

terça-feira, 11 de dezembro de 2007

TRANQUILO


Está carimbado o primeiro lugar do grupo A da Liga dos Campeões e com ele a passagem aos oitavos-de-final da prova. O FC Porto espera agora por um dos segundos classificados dos restantes grupos. Não estando ainda tudo definido, é certo que, deste modo, se evitam alguns colossos europeus como Chelsea, Real Madrid, Milan, Barcelona, Manchester United e Inter. Por aqui se vê a importância da vitória (2 - 0) alcançada, no Dragão, sobre os turcos do Besiktas.
Os 'dragões' triunfaram de forma tranquila, sem grande brilhantismo, mas com muita segurança e personalidade. Jogaram de forma adulta, sabendo claramente o que o jogo lhes pedia e quais as melhores respostas a dar em cada momento. A noção exacta da sua superioridade sobre o opositor permitiu ao FC Porto actuar de forma descomplexada, algo que se consegue somente quando se atinge um determinado nível de maturidade e qualidade. O processo de evolução programado por Jesualdo Ferreira desde que chegou ao clube prossegue no seu caminho e os resultados alcançados - factor mais importante no futebol de alta competição - estão bem à vista de todos.

A primeira parte portista foi apenas q.b.. O Besiktas pouco ou nada fez em termos atacantes, mas a verdade é que provocou enormes problemas ao desenvolvimento do futebol azul e branco. Denotou boa organização colectiva, preencheu bem os espaços, exerceu bastante pressão sobre o portador da bola, logo a partir da zona de Paulo Assunção e, com isso, dificultou enormemente a construção de jogo portista. A habitual velocidade nas trocas de bola, o futebol apoiado e a mecanização entre Lucho e Meireles e os extremos (um dos princípois de jogo mais importantes da formação de Jesualdo) não funcionou na plenitude. Por outro lado, a pressão no sector intermediário foi feita de forma pouco intensa e agressiva, o que permitiu aos turcos queimar alguns minutos circulando a bola no meio terreno portista, embora sem importunar Helton de forma preocupante.

O jogo pouco inspirado do FC Porto não o impediu, contudo, de criar algumas jogadas de perigo para Rustu. Inclusivé Lisandro marcou um bom golo de cabeça, mas o lance havia sido erradamente interrompido, por fora-de-jogo inexistente. Já com o intervalo no horizonte, o golo de Lucho González, após uma paragem cerebral quase colectiva do Besiktas, veio repôr a ordem natural das coisas, uma vez que, não obstante a produção mediana realizada pelos 'dragões', foi o suficiente para fazer do 1 - 0 um resultado justificado.

Impulsionado pela vantagem, o FC Porto realizou uma segunda parte mais concordante com a sua valia, ao mesmo tempo que ficava patente a falta de soluções do adversário para alterar o curso da partida. A precisar de uma vitória, Tello e companhia subiram um pouco o seu bloco, mas faltava arte e imaginação para lograr algo de importante. O espaço nas costas para ser explorado pelos portistas aumentou exponencialmente, o que somado às famosas transições ofensivas rápidas, quase sempre com Lucho como motor, fazia adivinhar o dilatar da contagem. O golo de Quaresma, após assistência de Lisandro, não fez mais que confirmar essa tendência.

Até ao final o FC Porto deteve absoluto domínio e controlo do encontro. Por entre mais uma ou outra oportunidade, a ordem era mesmo manter a concentração, circular a bola e esperar pelo apito final. A gestão do esforço começou a ser feita ainda antes do jogo terminar, nela se enquadrando as substituições operadas por Jesualdo Ferreira. No FC Porto há um método bem consolidado de fazer as coisas e isso percebe-se.

Individualmente, houve algumas actuações bastante positivas:
- Bosingwa: sem grandes problemas a nível defensivo, integrou sempre correctamente a manobra atacante, usando a sua velocidade e fazendo diversos cruzamentos. Teve mesmo o golo nos pés ainda na primeira parte, mas Rustu fez uma bela defesa.
- Pedro Emanuel e Bruno Alves: jogo muito seguro da dupla de centrais. Emanuel foi o patrão e a sua experiência e voz de comando faz o seu parceiro parecer mais pequenino. Alves também esteve em bom plano, jogando de forma simples como se impõe, e sobressaindo em alguns cortes oportunos.
- Paulo Assunção: no segundo tempo teve duas hesitações, com perda de bola, nada normais no brasileiro. Fora isso, foi o pêndulo que todos conhecemos, sendo dos elementos mais importantes no equilíbrio colectivo. Posicionalmente, é um jogador impressionante, está sempre onde tem que estar no momento certo.
- Lucho González: a sua movimentação no meio-campo e a classe e categoria que garante são imprescindíveis nesta equipa. Revelou-se bem combativo (algo que nem sempre sucede) e, ha hora de organizar e lançar o ataque, foi o mestre. Na retina, ficou-me um passe que isolou Lisandro já na segunda parte, concluindo com um simples toque a transição ofensiva dessa jogada. E claro o golo inaugural que marcou foi um ponto mais a seu favor.
- Quaresma: manteve a bitola elevada demontrada de há uns jogos para cá. Melhor na segunda metade que na primeira, esteve sempre muito interventivo, conduzindo inúmeros ataques pelas alas. A maneira elegante como concluiu o lance do segundo tento, foi a melhor forma de agradecer a assistência de Lisandro.
- Tarik: decididamente, com confiança, este marroquino é outro jogador. Óptima exibição, com alguns lances de pura criatividade e um magnífico remate em arco que merecia golo. Foi o melhor da primeira parte. Após o descanso, o cansaço começou a fazer-se sentir e acabou substituído, não sem antes exibir mais alguns bons apontamentos.

Foi uma vitória tranquila, natural e justa da melhor equipa sobre o terreno. O FC Porto mostra que é uma equipa com qualidade suficiente para estar na alta roda do futebol europeu, deixando atrás de si o Liverpool, que foi golear fora o Marselha por 4 - 0! Tem agora os oitavos-de-final para jogar com um dos segundos e, se conseguir passar, nunca se sabe o que poderá acontecer, sabendo à partida que há equipas muito mais fortes em competição. Estou com uma fezada que o Schalke 04 será o senhor que se segue. E que bonito seria voltar a Gelsenkirchen...

sábado, 1 de dezembro de 2007

CLASSE E TALENTO


BENFICA - FC PORTO 0 - 1
1ª Liga Portuguesa 2007-08
1 de Dezembro de 2007
Estádio da Luz (Lisboa)
Árbitro: Jorge Sousa (Porto)
Benfica: Quim; Luís Filipe, Luisão, David Luíz, Léo; Petit, Katsouranis (Cardozo 65'), Rui Costa; Maxi Pereira (Di Maria 71'), Nuno Gomes (Adu 79'), Cristian Rodríguez. Tr: José António Camacho
FC Porto: Helton; Bosingwa, Bruno Alves, Pedro Emanuel, Fucile; Paulo Assunção, Raúl Meireles (Bolatti 82'), Lucho González; Quaresma (Mariano González 69'), Lisandro, Tarik (Postiga 61'). Tr: Jesualdo Ferreira
Ao intervalo: 0 - 1
Marcador: 0 - 1 Quaresma 42'
CA: Fucile 44', Tarik 54', Katsouranis 63', Di Maria 76', Helton 87', Luís Filipe 90'+4'


Uma 'trivelada' à Quaresma resolveu o clássico dos clássicos e deixou o FC Porto ainda mais sózinho no topo da 1ª Liga, agora com sete pontos de vantagem sobre o segundo classificado. Se dúvidas ainda restassem em consciências mais crentes, o jogo da Luz veio demonstrar cabalmente qual é a melhor equipa portuguesa, marcando as devidas diferenças existentes nesta altura entre Benfica e FC Porto.

O jogo foi preparado na ressaca da jornada europeia. O Benfica, apesar de não ter cumprido o objectivo de vencer, empatara em casa com o Milan, após uma boa exibição, potenciada também por uma certa descontracção dos milaneses. Já o FC Porto saíra de Anfield Road humilhado por um resultado pesado e inaceitável, aos pés do Liverpool. De repente, parecia que o Benfica é que estava na frente do campeonato e dependia de si para seguir na Champions, tal era a euforia instalada e a confiança reinante na esmagadora maioria da imprensa lusitana. O habitual neste país.

Após as alterações no onze operadas em terras inglesas, Jesualdo Ferreira voltou a apostar na equipa-tipo portista, fazendo regressar Pedro Emanuel ao centro da defesa, por troca com o infeliz Stepanov. No restante, foi aquilo que se esperava e impunha. Nos encarnados, José António Camacho manteve os mesmos elementos que haviam defrontado o campeão europeu. Em ambos os conjuntos, acabou por não haver qualquer surpresa nas constituições iniciais.

O jogo foi bom, muito vivo e com um ritmo bastante interessante. A primeira oportunidade, logo no primeiro minuto, desperdiçada por Nuno Gomes, indiciava uma predisposição benfiquista para atacar mais e se assenhorar da partida. Puro engano. A maior classe e maturidade dos jogadores portistas começou paulatinamente a fazer-se notar. Por volta do quarto de hora, o FC Porto já marcava o ritmo e controlava as operações. Apostava numa forte pressão média, garantindo, simultaneamente, tranquilidade à sua defesa e espaço na frente para ataques rápidos e bem mecanizados.

O Benfica não conseguia fazer dois passes seguidos, jogadas bem delineadas nem vê-las. Os azuis e brancos eram mais rápidos sobre a bola, a sensação que dava é que estavam em superioridade numérica. Bosingwa não deixava Rodríguez respirar, Fucile também chegava e sobrava para Maxi Pereira (aliás, neste duelo uruguaio, o médio-ala é que andou atrás do lateral), Assunção tratava de fazer desaparecer Rui Costa. Vários duelos individuais se travaram, logicamente que foram ganhos maioritariamente por quem beneficiava de melhor organização colectiva. Na sequência das infinitas recuperações de bola, muitas vezes em terrenos supostamente mais avançados que o normal, a bola passava por Raúl Meireles, mas era aos pés de Lucho que ela desejava chegar (já nem há palavras para o futebol simples e, ao mesmo tempo, tão magnífico do internacional argentino; com maior intensidade de jogo e resistência seria certamente um dos melhores médios do mundo). Aí, bola nos extremos, que, com uma mobilidade constante, íam carrilando jogo pelas faixas, ora cruzando, ora procurando espaços interiores. Lisandro, mestre nas movimentações, ía ajudando à festa.

O futebol colectivo do FC Porto tinha já silenciado a multidão encarnada. A superioridade técnico-táctica era evidente e cheirava a 0 - 1. Tarik foi o primeiro a avisar seriamente. Seguiram-se Quaresma e Lisandro, este com uma perdida incrível na cara de Quim, após cruzamento primoroso de Bosingwa. Mas o golo não tardou: Quaresma recebe de Lucho, progride até à área, faz aquela maldade a David Luíz e atira de trivela para o fundo das redes. Com classe. Com talento. Com génio. Quando o '7' portista corria para a área, comentei com um amigo meu que me acompanhou na transmissão televisiva qualquer coisa parecida com: "Ele vai fintar para dentro e rematar de trivela"! E não é que me fez a vontade?! Obrigado Quaresma por estes momentos sublimes de talento, por contigo o futebol ir além das opções seguras e previsíveis. Intervalo, 0 - 1, resultado escasso perante tamanha superioridade.

Na segunda parte, os homens da casa apareceram melhor, como era natural. A perder em casa com direito a banho colectivo e virtualmente a sete pontos do seu opositor, competia ao Benfica correr atrás do prejuízo. Ainda assim, a primeira oportunidade nasceu de uma fífia monumental de Bruno Alves, que permitiu a Nuno Gomes aparecer isolado perante Helton. O remate foi bom mas o guardião portista fez a primeira de duas defesas providenciais.

O ascendente passou a pertencer aos pupilos de Camacho. Subiram em bloco, pressionaram mais à frente, mas notava-se que a clarividência não era a melhor. O assalto à defesa portista fez-se mais com o coração que com a cabeça. Fruto deste comportamento, o Benfica ía atacando mais, é certo, mas permitia também ataques venenosos ao adversário. Num deles, Quaresma teve nos pés a sentença final, mas rematou ao lado, após fantástica assistência de Lisandro.

Mas o Benfica cresceu, é justo reconhecer. O FC Porto passou por algumas dificuldades para cobrir o espaço à entrada da sua área, facto a que não será alheia a entrada de Cardozo, que obrigou Assunção a recuar um pouco. Após mais um falhanço de Nuno Gomes, agora de cabeça (assim é difícil ser considerado um grande avançado), o recém-entrado Adu proporcionou a tal sensacional segunda parada a Helton, com um remate seco à entrada da área. Petit, logo a seguir, também tentou a sorte de longe e a bola passou bem perto do poste.

Inteligentemente, Jesualdo lançou Bolatti para junto de Assunção e este foi o rombo final nas aspirações benfiquistas. Não mais o FC Porto passou por sobressaltos, voltando àquela atitude inteligente, controladora, madura, eficaz. Bastou segurar a bola e deixar o tempo correr até ao minuto 94. E que doloroso deve ter sido para o Benfica passar a quase totalidade dos 4 minutos de compensação a cheirar a bola.

Se há jogos cuja justiça do resultado não merece sequer discussão, este foi seguramente um deles. O FC Porto deu uma demonstração de força em plena capital, de superioridade em relação ao seu principal rival e de capacidade reactiva depois da goleada sofrida em Anfield. As grandes equipas são assim, levantam-se depressa e são capazes de triunfar nos ambientes mais hostis.

Lisandro foi o melhor jogador em campo. Apesar de não ter facturado, movimentou-se muito e bem, correu que se fartou, ora em busca de espaços, ora pressionando os adversários, e lançou o pánico na defesa encarnada por diversas ocasiões. É admirável ver como um jogador tão bom tecnicamente e tão goleador, participa de forma tão solidária no trabalho colectivo. Quaresma decidiu com o seu talento ímpar. Tarik realizou uma óptima primeira parte. Nesse período, Lucho também esteve soberbo. Assunção é aquele pêndulo indispensável que não sabe jogar mal. Pedro Emanuel foi o patrão da defesa, conferindo ao sector serenidade e experiência. Helton foi decisivo naquelas duas intervenções. Meireles, Bosingwa, Fucile, Bolatti, enfim, quase todos os 'dragões' estiveram bem. Talvez Bruno Alves, Postiga e Mariano tenham estado uns furos abaixo, por diferentes razões, mas nada que abalasse a vitória incontestável. No Benfica, Rui Costa foi mesmo o menos mau. Adu, no pouco tempo que teve para se mostrar, reclamou mais tempo de jogo e quem sabe a titularidade em alguns encontros. No duelo de treinadores, Jesualdo goleou Camacho. A organização colectiva do FC Porto não foi obra do acaso, nem resultou unicamente do facto de deter melhores intérpretes. Há ali muito cunho pessoal do Professor, os meus parabéns também para ele, tantas vezes injustiçado, a maioria delas pelos próprios portistas.

O árbitro portuense Jorge Sousa, esteve mal ao não assinalar um penalty escandaloso, por derrube de David Luíz a Lisandro, logo aos 13 minutos, lance que resultaria no segundo amarelo ao brasileiro. Acabou por não influenciar o curso do jogo graças à supremacia azul e branca.

É cedo para se fazerem as contas do campeonato. Muito cedo. Mas sete pontos de avanço em doze jornadas e atendendo à diferença patente de qualidade que separa os portistas dos demais...