quarta-feira, 30 de abril de 2008

CENTENÁRIO DO INTERNACIONAL


"A vida apresenta-nos desafios improváveis. Um deles é o de colocar em conflito sentimentos e amores.
Beto havia concluído o curso de cabo da Brigada e não conseguira o que mais queria naquele momento: o retorno a Pedro Osório, cidade de sua família. Ficara em Porto Alegre, no 1º BPM, sobrevivendo com a comida do quartel e o pouco que sobrava do soldo.
Para ele, uma das poucas coisas boas naqueles tempos era o serviço no futebol. Afinal, o esporte era uma das suas grandes paixões. E Beto gostava do azul.
Numa noite de 1976 Beto foi escalado para trabalhar em um jogo do Inter. Não era uma partida decisiva. Uma jornada tranqüila para os brigadianos. O final da partida, entretanto, reservaria um momento ímpar para aquele policial do interior perdido na capital. Um momento de aproximação entre pólos divergentes, uma prova da grandeza da alma.
Termina a partida. A correria ordinária dos repórteres. Por um acaso, Figueroa, o genial zagueiro colorado, o símbolo da conquista retumbante de 1975 passa ao lado de Beto, isso já quase na boca do túnel. Naquele instante, o cabo da Brigada poderia ter olhado o defensor vermelho como um inimigo a ser odiado. Não foi isso o que fez. Ao contrário, pediu-lhe a camisa branca número 3 do uniforme que vestia.
Don Elias Figueroa olha para o militar e pratica o gesto que se esperaria de um personagem mítico.Sobra-lhe gentileza e humildade: despe-se do manto colorado e o entrega ao cabo, que prontamente agradece o presente.
Beto não desejou a camisa apenas porque admirava o futebol em si, um esporte que traz a seus admiradores as mais intensas emoções e que espanta a solidão daqueles que amam o ato de chutar a bola, em um congraçamento universal que ultrapassa preconceitos e diferenças. Certo que Beto amava o futebol. Havia, no entanto, um motivo ainda mais forte: o amor fraterno.
Nascido em família simples, as agruras não eram estranhas a Beto. Muitas delas vencidas pelo apoio de um irmão mais velho, Osmar, que ao contrário daquele era um colorado apaixonado e orgulhoso de ter colaborado para a construção do Beira-Rio.
Ao ver Figueroa foi em Osmar que Beto pensou. No seu irmão que um dia o acolheu na sua casa quando ele tinha apenas quinze anos e que lhe serviu de exemplo para seguir firme na vida. Um irmão mais velho de valor. Ele merecia o maior presente que fosse possível lhe dar, ele merecia o ato incongruente de um torcedor pedindo um regalo de um ídolo do clube rival.
A camisa chegou às mãos de Osmar, que a guardou com carinho por toda a vida. E lutou cinco anos contra o câncer. Viu, emocionado, o Internacional ser campeão da América, mesmo estando muito doente. Faleceu em novembro de 2006, sem ver com seus próprios olhos a glória apoteótica em Yokohama. Deve ter sorrido e chorado, acompanhando lá de cima a épica batalha. E abraçado os irmãos Poppe quando a bola tocou o fundo das redes no gol de Gabiru.
E Beto, o irmão que gosta do azul, teve dois filhos, Gerson e Wagner, que amam o vermelho."

Gerson dos Santos Sicca
Florianópolis-SC


Este magnífico texto, da autoria do meu amigo Gerson Sicca, brasileiro, torcedor do Internacional de Porto Alegre e autor do blog Limpo no Lance, está sob votação juntamente com muitos outros no site Centenário do Inter. Os 100 melhores serão publicados num livro comemorativo dos 100 anos do Internacional. Se gostou do que leu, clique aqui, vá até ao texto número 358 e proceda à sua votação, carregando na 5ª estrela. Eu já o fiz. Ajude o talento a vingar. Um grande abraço, Gerson!